quinta-feira, 3 de setembro de 2015

“se eu dissesse que estive no seu coração”

num ímpeto repentino arrumar o quarto de estudos,
me pôr a jogar tanta coisa fora e, entre os livros,
sem querer, topar com a crua caixinha esquecida.

todo movimento entra em suspensão: há ali um catálogo de amores.

de alguns ficou apenas o 3x4,
de outros os poemas, as cartas, as fotografias.
e teve um, apenas um, que ali dentro deixou tanto:
declarações no meio do dia, bilhetinhos súbitos,
bijuterias, o anel carcomido de ferrugem...

pensei também naqueles que não deixaram rastro,
que não a memória do volume de suas clavículas e omoplatas.

mas no dia de hoje alguns andam desaparecidos no mundo,
outros aparecem e desaparecem respeitando os mecanismos da vida,
mas a maioria esmagadora está casada e tem seus filhos.

e eu ainda aqui, sozinho, nesta mesma cidade,
arrumando livros, roendo as unhas, e criando gatos.

não queria admitir, mas amassar cada recado, cada fotografia,
foi mais duro que dobrar folhas de chumbo.
e a verdade é que sou bem triste: à minha vida
só serve o que não fica para sempre

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