quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

invasões bárbaras

andar pelo quarto pequeno, este
quarto que muitas vezes serviu de
descanso, e agora não o reconhecer mais.
sacar um livro da estante e ouvir a
parede de livros dizer não querê-la
aqui: é um modo do poeta estar só.
as teias de aranha cresceram numa
única noite e, ao menos por hoje,
adeus aracnofobia.
o pó recobre a cômoda, o violão desafinado,
a luminária que não acenderá mais...
as gavetas emperram: e agora, onde guardar
tuas clavículas?
e rodar desnorteado a casa em escombros,
bombardeada, mas ainda de pé, e saber
que mesmo assim, mesmo desertas da tua
nicotina, copacabana permanece ilesa, a lapa
intocada.
recolher as contas a pagar na caixa de
correio; elas chegam pontuais, não supõem
a tristeza: “as coisas não precisam de você”.
receber convites pra dançar, é verão
tudo é jovem, e nem ao menos os poder responder:
o teclado do computador trava, o telefone está mudo,
as canetas falham miseravelmente.
as portas não abrem, as janelas dão para lugar algum:
não há gatos apaixonados aqui, com seus miados
de amor e suas cores trocadas.
o que há aqui é esta barba crespa que
cresce em tamanho e desejo do emaranhado
dos teus fios de cabelo recém-escovados.
o que há ainda aqui são estas duas mãos,
estas unhas roídas que expõem a ansiedade de,
até o amanhecer, esquentar os teus dedos.

tentar, num filme de truffaut, entender
toda esta aridez dentro de ti, já que as fotografias
te contrariam: denunciam friamente que teu
rosto é tão mais bonito sorrindo.
(mas nem truffaut, nem truffaut!, pôde responder).
e rearrumar o armário, as prateleiras, e no
entanto encontrá-la escondida ali, esbarrando
na realidade, atrás da caneca de café,
a arma em punho, o cano na minha têmpora.
surpreende-la gargalhando por detrás da
televisão, a boca aberta, todos os dentes
prestes a mastigar meus tristes joelhos.
no espelho do banheiro são teus olhos
caídos, teu corpo de golfinho, minha carne
escura onde escreveste “alguém vai ler”
com ferro em brasa.

e na varanda me vem a vontade de incendiar
todas as casas do bairro, e te maldizer em cada
uma delas, a tua insensibilidade: não havia
medo no acariciar das tuas clavículas,
havia amor, o que é bem parecido.

***

quando dançamos sozinhos, no meio
da fúria do calçadão do leme,
não havia dor ali, havia?
te ofereci a chuva jovem poeta:
você poderia viver a tua tristeza na
distância e seca, ou poderia trazê-la pra
dançar dentro de um dia de chuva.

o crime é não me deixar tentar:


molhar essa tristeza, despentear essa dor.

na existência da madrugada

as 5:29 da manhã,
a foto onde tu expões tuas clavículas
sob a primeira luz,
cruza sobre os prédios como um raio
e parte ao meio a existência da madrugada.
ponho-me pequeno diante tuas tristezas:
uma gota contra todas as correntezas do mundo.

e dedico as horas assim,
neste trabalho de dor,
atirando em ti as flechas que arranquei
do próprio colo, para ter de vê-la
congelá-las em pleno ar...
coloco-me em saudade dos teus seios,
estes oceanos para onde traio meus navios,
os enviando para a certeza do naufrágio
(no entanto, navegar os lábios pelos teus
ombros, pelas tuas omoplatas e coluna,
é uma silenciosa tentativa de fazê-los resistir).

e já nos afazeres da manhã partida,
encontro teus cabelos nas roupas pra lavar:
fios de inverno no dentro do verão.
pondo o lixo pra fora olho o céu absurdo
e creio na impossibilidade de continuar ateu:
tu não sabe jovem poeta,
mas no território das nossas noites eu vi
brotarem terríveis e magníficos deuses
de cada parte do teu corpo.

domingo, 26 de janeiro de 2014

hotel marina

queria ao menos destes dias,
um diamante, uma pedra que seja.
uma pedra com a forma destes dias,
com a textura destes dias,
com o peso, com o cheiro destes dias.
para que ao exibi-la pelos bares,
nos salões, pela ruas do centro,
todos pudessem contemplar nossas horas
e dizer maravilhados:
“então além de poemas este kavita kavita
é capaz de criar dias de paixão assim?”
e então você não seria mais a sombra
e uma brisa, você dissiparia seus medos
na chuva das pequenas fotografias.

um primeiro abraço sob a luz fria do metrô,
o rápido por do sol sangrando a praia e tuas clavículas,
teu corpo nu entre as cortinas amanhecidas,
teu sono de criança sobre o meu colo:
este poema sou eu, a caixa de imagens, um relicário.

quando eu morrer estes instantes
se extinguirão de qualquer memória,
mas estes versos ainda resistirão
nas páginas de um livro, inscritos
em algum lugar, onde as gerações futuras
poderão lê-los e saber que poucas
coisas na face da terra puderam ser tão
cruelmente delicadas do que te ver
sorridente, com aquele vestido verde,
descendo lentamente as escadas do prédio.

sábado, 25 de janeiro de 2014

forte de copacabana

como se fosse uma fotografia,
toma em tuas mãos as dimensionalidades
do dia: amassa-o, rasga-o, e joga fora.
depois daqui jovem poeta, talvez,
eu pare de te assustar.
cultiva tuas desatenções nos
desertos do meu desejo,
eu, esta terra desolada de ti, esta
solidão sem nome e profundidade.
tu, apenas tu, que deitada sobre
a pedra, sob a sombra dos canhões,
diz ver o céu mais próximo do teu corpo-praia,
sem notar o poeta mais velho admirando
teus pés brancos fincados sobre o chão
escuro como minha própria carne.
olha, meu coração é frágil como um
filhote de gato, como um beijo de boa noite,
e a ausência do teu mais fugaz olhar,
o esconder-se do mais ligeiro toque
do suor das tuas mãos pequenas,
o coloca em apnéia.
tu que, ao dormir com a cabeça em
meu colo, não soube que ali, aquela hora,
afagaria teus cabelos até pôr estes dedos
em carne viva,

pois que nada (nem mesmo a noite
de verão em copacabana) tem
o teu rosto tão bonito.