sábado, 14 de dezembro de 2013

ma flûtiste française

“de que adianta vários portos
pra um barco sem âncora?”
você me perguntou sem me olhar
“você é excepcional em desfazer
todos os laços possíveis”

essas sentenças foram epifanias
de onde eu via cada nuvem passar
sobre você: tudo se tornou tão
nítido naquela hora

teus olhos egípcios voltaram a champs-élysées
(quem sou eu para competir com paris!)
e fiquei aqui morrendo de fome da
impiedade crua das tuas unhas mal pintadas

naufragando sempre em outros cais
através das madrugadas lentas
vou lendo teus bilhetes em francês

esperando o efeito de mais um rivotril

colégio de aplicação

o último ônibus chega sem perceber que um corpo dormente sobe os degraus,
passa pela roleta sem som algum, onde nada está ali.
decifro o meu futuro entre linhas de metrô, guerreando dentro de em um mundo onde tudo é vão, mas evito pensar nisso,
a rua agora recende a uma memória que se esforça pra não ser:
ela dará espaço a outro caminho onde trabalharei cansadamente
como foi tudo nesta vida: entre o sono e o desejo.
não me pertencerão mais estes caminhos suaves, estas horas
enroladas em papel cartão.
não.
não serão minhas as tentativas de adivinhar em qual altura do leblon tu abandonarás estes ônibus vândalos.

mas por agora basta o adeus.
adeus ao deserto da lagoa sob a chuva, tu serás apenas trajeto de dias escassos.
adeus a beleza absurda da cabeleira encaracolada, que fugia da vista como
um fantasma sorridente.
até mais banksy, kusama, oiticica, voltarei a falar de vós a olhos tão ávidos?
até logo juventude olimpicamente bonita, não poderei perder teus sorrisos nunca mais, eu que quis ser jovem verdadeiramente e estar entre vós.
adeus aos teus bombardeios aéreos, a invasão da normandia, e teus traços de
musa almodovariana.  ingmar bergman acena e também te deseja adeus.
adeus aos cafés, as vitaminas solitárias, e meu corpo magnificamente pesado,
a minha flanerie socialmente camuflada sob o sol esforçado.
adeus as geometrias dos corredores entardecidos onde meus olhos re-
pousavam.  serão outros, mais distantes, os corredores agora.
adeus a minha anna karienina e aos nossos crimes de amor
platonicamente esotéricos em lumiar,
tivemos um filho e vivemos nus no futuro que não será.
mas adeus novamente a minha anna karienina (logo me esquecerá).
adeus as calhordices academicamente matutinas as quais eu não
pertenço e que me faziam querer chorar, mas hoje, delas, só posso rir.
adeus aos abraços, gritos e correrias que me abandonavam ainda mais
tímido, adeus as suas vozes me chamando insistentemente.
adeus aos beijos interrompidos do tigre enfurecido no parque lage, a tua juventude desorientada secou a nossa chuva, ruiu o nosso cristo, e eu previ e você não acreditou.
mas isso não importa mais, pois agora adeus parque lage, adeus tigre enfurecido.
adeus sono sem sonhos após o almoço (o cheiro de couro velho do sofá).
adeus professora tatuada e seus truques com facas, tu que me ensinou a dança da morte em camas cheias de sol, adeus.
adeus rebouças, homem negro, túnel negro, e suas babás negras que iam e voltavam por dentro de ti.

destas manhãs e tardes torno estes versos um poema em carne viva,
pois será difícil voltar a amar e odiar como amei e odiei os teus dias, teus
pátios, tuas salas.
este poema é uma ode e uma elegia, como o é um filme expressionista alemão
abarrotado de sombras, monstros e musas pálidas.
este poema é o vestígio de um devaneio cuja idade não me permitirá

mais cometer sob a chuva negra e vermelha dos abajures enfraquecidos.