domingo, 29 de abril de 2012

Patricinhas da Zona Norte e Seus Zumbis de Estimação





Esperando em Del Castilho uma
condução que não chega e
observando todas essas garotinhas
freqüentadoras de shopping com suas
roupinhas estilosas e aquele jeito de
“tenho quinze anos e já posso acabar
com você titio” enquanto
Renato Russo canta a tristeza no
fone de ouvido quando uma delas
- com uma cintura de espiã russa -
me encara até a hora em que
seu pai chega de carro para buscá-la
(dentro do carro ainda resiste o confronto).

O ônibus não chega e ali ficamos apenas
eu e o Renato cantando a todo vapor:
“Me sinto tão só
que dizem que a solidão
até que me cai bem.”

O Amor nos Tempos da Dengue




O que importa se ninguém vem
mais aqui?
Enquanto houver poemas a serem
escritos eu posso superar as
ligações diárias do banco e o fato
das mulheres terem todas ido
morar em outro planeta.

Releio Garcia Márquez na noite assassinada.

Mas as camisinhas da gaveta estão
perdendo a validade (as mesmas que ela
disse que eram novas
que comprei pra usar com amantes
imaginárias) por isso passo a
vesti-las toda noite antes de dormir enquanto
assisto algum filme pornô recheado de
deliciosas italianas.

Enquanto me masturbo sinto o pau
apertado pelo elástico: é bom sentir
esse abraço nesses dias em que
a solidão funciona como um
anestesiamento de corpo inteiro.

Impressões Sobre Uma Casa que Nunca Entrei




Duas velhas ciganas em
lâmpadas vermelhas e
janelas quebradas.
Pirineus.
Manhãs bucólicas em
tapeçarias de Lisboa.
Cheiro de coisa mofada e
abajures antigos.
Penteadeira de antiquário com
um espelho refletindo o Sagrado
Coração na parede oposta.
Um corredor claro dentro da
luz cinza e os meus olhos
acima dos carros
trazendo saudades do que nunca vi.

Guia de Bolso Para Desaparecer Completamente


Queria
neste poema
as últimas letras sobre você e
esses dias fossilizados em resina.
Alguma coisa que decidiu te esquecer
nas filas dos bancos nas bordas das
taças de veneno e entre os sintomas da gripe.
Da cozinha planejada escondi
aquela caneca com a nossa foto:
tirei o seu sorriso do café com leite.

Voltarei pra neblina.
Voltarei a viver me esquivando dos
carros e retornando de mãos alheias
na frustração laminada da madrugada.
Vou voltar a levantar pesos e a ler Danto nos
sábados a noite enquanto o funk faz a
madrugada clamar no baile do morro vizinho.

Na semana passada
voltando da Lapa
fui revistado pela polícia.
Com a cara na parede eu sorri e tive
vontade de dizer: “Me prenda! Pois sou
capaz de odiar do fundo do meu coração garotas
de cabelos curtos! Sou bem capaz de assassinatos
em série!” Mas o policial foi tão
simpático pediu desculpas apertou minha
mão que perdi a vontade de me entregar...
E também lembrei que era preciso voltar
pra casa de qualquer jeito:
precisava pintar meu quarto de outra
dor e mudar o colchonete de lugar.

Ando bebendo oceanos inteiros.
No meio de algum inferno (que me
salva) as garrafas soletram o seu
nome em guardanapos de papel e me aliciam
a invadir seu apartamento no meio da
madrugada só pra te dizer: “Te esqueci mas não
entendo porque estou aqui! Não entendo porque
estes copos de cerveja espumam o teu cheiro!”

É hora de fazer sacrifícios humanos para
ressuscitar a chuva e catar pedrinhas para
erigir o castelo onde reinarei por sobre
horas acrílicas por sobre postes e faróis
por sobre a cidade vadia.

Meus antebraços peludos me lembram
sua falta e sei que os pulsos são meus finalmente
para outros perfumes e para o último corte.
O mundo não vai acabar esse ano (talvez só pra
mim que a qualquer momento posso
cessar o movimento) mas o pior é continuar
em cada dia em cada coisa lembrando que
os momentos sem você são eternidades
inteiras despejadas em terrenos baldios.

O afeto entre os casais de amigos deixam
meus gestos abandonados de tudo.

domingo, 15 de abril de 2012

Oncidiuns Partidos



E as luzes do meu bairro
Parecem te chamar de volta

-Harmada


De que adianta agora as
manhãs de Cascadura as
ruas noturnas do Humaitá se
não tenho mais a capacidade de
voltar a ser nada?
A cidade me escapou suave entre
as cortinas e cada dia que
acorda não promete nada e
nada traz a não ser
esse abandono tão clichê.

Não há vida na solidão fora nós como
não há dia no abismo entre outras mãos
e o coração se descobre (não sem dor)
que realmente é um só.

Alvorecer em Madureira
madrugar no Aterro
Sofia Coppola roendo as horas dos
dias mortos e passei uma semana inteira
terrivelmente doente e esperando
indiferente
a morte chegar.
E senti sua ausência (e achei que
era a morte) em cada canto de mundo
me pondo contra as cordas
esmurrando minha cara meu baço meu peito
me sangrando a lona inteira.

Talvez a cerveja a faça
realmente feliz.
Ou a salve.
Talvez a cerveja seja uma
boa substituta para a poesia mas
nisso ela tem a vantagem: a
cerveja esquece a poesia relembra...

Bem
um dia desses
no sono irrequieto do calor absurdo
da tarde eu sonhei com nosso filho:
eu entristeci mais um pouco e
emagreci 3 quilos enquanto ela se
olhou no espelho e sorriu
sem mim e feliz
com sua Long Neck gelada e seus
lindos vermelhos cabelos cortados.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

In Nomine


Às cinco da tarde desse
dia preto eu soube que minha
última avó não viu o
alvorecer destas horas de chuva.
E ali está o meu pai
homem forte do Maranhão (terra de
Gullar terra do romântico Gonçalves)
vergado sob o peso do desacontecimento.

Meu pai homem forte
que nunca leu um livro na vida
mas que
aparando o sol na cabeça
suportando o mundo nos ombros
pagou todos o que eu li.
Meu pai homem forte que
sozinho ergueu casas e se
dedicou ao amor de minha mãe
meu pai cujas rugas denunciam mais
os sacrifícios do que a idade
assisto se desesperar timidamente (tímido
como sempre foi) pela partida de minha avó.

Seu Luis
homem altivo
queria tristemente te dizer que sou teu
filho mas no entanto não poderei te
honrar pois esse ofício de fazer versos nunca
me trará nem uma mínima parte da
nobreza que tu carregas nos calos das mãos.

Rio de janeiro, 09 de abril de 2012.

domingo, 1 de abril de 2012

Musica Pop para Bandas de Rock Adolescente


Ela gostava de olhar a lua cheia da
varanda enquanto ele achava a lua mais
legal nos filmes de terror antigos e
enquanto ela vivia a Primavera e seus
quintais ele bebia Schopenhauer num
quarto escuro.

Haveriam de dar certo?

Ela era uma menina com uma flor e
usava blusinhas de botão enquanto
suspirava Manoel de Barros e
ele aquele velho tarado com seus
brinquedos eletrônicos e um
Bukowski latejando dentro da mochila.

Franz Reichelt na Torre Eiffel


“Agora você vai ter um
motivo para ficar triste e voltar a
escrever...” essa foi sua
frase de adeus e tudo que pensei foi
como eu queria voltar a ser seu
namorado frágil e ter suas
calcinhas misturadas as minhas
cuecas dentro do desespero das gavetas
mas tudo que vou voltar a ser é
esse velho que acha ter dezesseis anos e
que nunca entendeu nada de flores.

Du Côté de Chez Swann


Teu cheiro vívido amanheceu
nos lençóis do chão de azulejos
no meu corpo partido do teu mas
este cheiro indecifrável são
o quarto o armário que me enganam ou
que guardaram verdadeiramente o teu olor
enraizado na madeira na rijeza do concreto?

Estive de volta aos dias em que vinhas de
longe pra me ver e eu ia cruzar a
Zona Oeste inteira pra encontrar teu
sorriso na porta no quintal inteiro ou
tua cara emburrada porque não
cheguei cedo como esperava mas
tudo se desfaz no ar e me flagro de volta a
um sono sem colchão sem a
forma das tuas costas sem
teus cabelos descobrindo o volume da
tua nuca e sinto que estou me decompondo a
cada amanhecer a cada dia que passa sem
memória a não ser esse cheiro de pele
fresca que já foi o perfume de uma vida inteira.