terça-feira, 20 de setembro de 2011

Carmilla



“(...) eu fui a coisa mais brega
Que pousou na sua sopa”

-Lobão

Quando fui ao banheiro dela
me assustei:
Sua banheira estava até a boca de sangue!
Cheio de pavor corri para cama e
a encontrei nua e sorridente:
- É o sangue dos meus e minhas amantes...
-ela disse com seu típico tom blasé-
Mas o seu
meu doce poeta
é muito especial para mim...
o seu eu guardo no armário da sala
numa garrafa de Johnnie Walker!

Hoje percebo que foi
uma das mais bonitas declarações
de amor que eu já recebi.

Sonho


I
A claridade através das cortinas ganha
corpo vagarosamente.
São cinco horas da manhã e
acordei terrificado de um sonho bom.
Onde tive novamente teus cabelos alquímicos
tremeluzindo na inconstância da manhã
onde a separação dos teus lábios fechados era
um fio que se abria a todo momento para
fazer nascer para a visão os
teus dentes pequenos.
Acordado me agarro aos últimos vestígios da
tua substância onírica mas a
claridade me impõe inelutavelmente que
minha realidade inteira já não é mais
a morada da tua presença.

II
Era um sonho só.
E o que importa esse sonho se
já é quase hora de ir trabalhar?
Logo ele vai escoar vagarosamente no café da manhã
entre o trânsito sonolento
entre contas atrasadas e
outras bundas que passam nas calçadas
até que ao meio-dia já não reste quase nada dele...
Vou almoçar sossegado porque do
teu cabelo alquímico
dos teus dentes pequenos
ao meio-dia
não restará mais quase nada.
Não restará quase nada além disso que
fulge fracamente quase sem existir
mas que
-em todos os dias que correm-
trago comigo na
memória violenta de cada amanhecer.

sábado, 3 de setembro de 2011

Balada Pop para uma Garota Chilena


Nessa manhã acrílica lembrei
dela ali
na estação nova do Méier
o cabelo dessa vez descolorido
as retinas estouradas de tanto trilho de trem.

Ela tinha um MP3 no ouvido e
o mesmo perfume de mal-gosto de oito anos atrás:
aquele que ficava três dias nos meus
braços desrespeitando solidões.

Naquele dia
ela me esperava disfarçando calma como
que já pressentisse a inversão do tabuleiro:
ao tentar me prender novamente
em sua teia
ela se decepcionou ao ver que eu havia
me tornado uma mosquinha esperta demais:
nos oito anos de intervalo entre nós dois
eu fui treinar em alguns bares
puteiros
e casas de família:
outras vagabundas haviam me ensinado como jogar.

Cleópatra


O que pensa a mulher-serpente quando
caminha com seu copo na mão?
O seu andar esguio enfeitiça
como a flauta do encantador de najas.

Como conhecer a satisfação que ela tem
quando sorri viperinamente ao perceber
que meu olho é dela ali?

Mas o maior mistério é imaginar
o que esconde debaixo da saia
a mulher-serpente:
uma cauda sibilina de escamas brilhantes
ou
serão duas estreitas coxas (estreitas
como ela toda)onde em ataque
ela deixa escorrer ofídico veneno-antídoto?

E
daria um dia inteiro
- se qualquer dia fosse meu -
para ter suas presas cravadas
a carícia de sua língua bífida
pelas veias latejantes da minha geografia.

Tempos Hipermodernos


Anda-se dizendo por aí que
os computadores logo logo irão
roubar nossos empregos.
Eu acho que os primeiros a perdê-los
serão os coitados dos médiuns:

Outro dia
passando em frente ao
cemitério da Freguesia percebi
que havia na calçada em frente uma
placa que dizia:
A Internet já chegou ao seu condomínio!”