sexta-feira, 27 de novembro de 2009

A Aparição de Uma Beleza


Para Baudelaire

Ela parecia:
1)ter saltado de um
encarte de revista de moda
2)ter se destacado de um
outdoor de loja de roupa
3)lembrar uma princesa medieval
de um filme hollywoodiano
4)o ensaio do mês de uma
revista moderninha...


Duvidando da visão
olhei para todos os lados e
percebi que
como se só eu pudesse a ver
nenhuma das pessoas dormentes
olhava em direção a ela.

E foi quando na sua duvidosa concretude
ela se levantou e foi embora
eu concatenei e cheguei a conclusão de que
ela talvez não fosse nem mesmo a
carnação de uma imagem
que ela talvez não fosse nem isso...
ela ali
tão para além do que é uma beleza do cotidiano
bem que poderia ser a representação impalpável
de uma idéia pura.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O Poeta Não é Nada

As crises dos amantes e
seus términos de relacionamento
soam como o fim do mundo.
Mas o que são as mazelas da
paixão perto de quem na sarjeta
morre de fome?
O que é uma briga de namorados
perto de quem espera a morte se esvaindo
de dor num leito de hospital?

E os poetas?
Essa raça de vagabundos que
se acham melhores que os
outros só porque mentirosamente
dizem amar mais
fingem que vivem mais intenso...
Qual o quê!
O que é a poesia perto dos que
saciam os que tem fome?
Dos que se arriscam para
salvar uma vida?

Uma mãe que passa a noite em
claro pelo filho doente vai para além
da beleza e do esforço de qualquer
poesia
ela sim é maior!

O poeta não é nada.

Eu portanto não sou nada e nunca poderei
ser mais do que isso.
E esse é o meu quinhão.
E isso é o que me convém.
Só me resta passar pelo mundo como
passam todas as coisas
não querendo deixar nada mais que
um punhado de versos e os golpes da
saudade em alguns corações.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Me apropriei dos versos da poeta Joana, e publico aqui pela primeira vez algo não meu, que travando um diálogo poético com o meu "Rito de Solitude", me vestiu com mais um maravilhamento entre tantos que tenho quando me alimento dos seus escritos...

É Luis,


mulheres cortam os cabelos
e se deixam emagrecer


escutando verdades insuportáveis na voz da Bethânia, da Ro Ro, da Adriana....


Ela
esvazia gavetas recheadas de memórias
muda os móveis de lugar
lava lençóis, pinta paredes
e se desfaz das roupas que não pretende mais usar


Está assim...
Passando como quem tem pressa
Vivendo como quem não espera
despindo-se como quem sente frio
e derretendo no calor do Rio


Na verdade está
promovendo um belíssimo ritual de limpeza..
repensando a forma de pensar
escrevendo versos, cultivando flores, acendendo incensos.
deixando o novo entrar...

(Joana, 08/11/2009)

domingo, 15 de novembro de 2009

Lughnasadh


O verão apenas se anuncia através do
calor insuportável de Novembro
mas ele grita já aqui dentro da minha
vontade o seu chamado às armas.
Tudo reluz sob o céu e a cidade ganha outras cores
tudo é desejo de azul...

O mar dos fins de semana e os calçadões
o sol das manhãs pelas ruas do subúrbio
e essas mulheres tão meninas e as
meninas tão mulheres e seus vestidos leves e
seus shortinhos e seus óculos escuros e
suas tatuagens meio exibidas
desfilando imponentes dentro da claridade das horas
essas mesmas horas que me convidam as
praias e as cervejas e as mesas de bar com os amigos.

Mas o que distingue o verão é o segredo que esconde:
todas as coisas só servem para trazerem
em si guardada a eletricidade do carnaval.
Cada passo e sorriso e embriaguez e sexo
é uma caminhada para fevereiro:
tempo de alegria e de saudades
tempo onde absolutamente nada nos mata.

O verão é a época das libações ao deus Corpo
-esta única e última divindade verdadeira-
e já escuto se erguer aos poucos o
altar das sensações e dos sentidos
onde celebrarei com música e poesia
toda essa a alegria angustiada e desmedida
de ser como Dionísio entusiasmado.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

De Outro Tempo


Quando dei por mim estava
a minutos perdido no rosto do
motorista do ônibus.

Cada ruga em sua testa
seus olhos caídos lhe emprestavam
uma expressão triste.
Mas ele tinha uma cara antiga
uma morena feição clássica que
pensei por um momento que aquele
poderia ter sido o rosto do meu avô.

E me surgiu uma nostalgia estranha
ao contemplar aquele rosto...
imaginei aquele senhor de terno e chapéu
caminhando pelo Centro e a
cada passo que ele daria tudo
se acinzentaria
(porque acho que as fotografias nunca
foram em preto-e-branco
o mundo é que era)
por onde ele andasse a paisagem as
suas costas se reconfiguraria e de repente
todos nós estaríamos de volta ao
Rio de Janeiro da década de 30.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Manhãs de Primavera


Nesta manhã imensa até onde
será que se estende todo esse azul?
O sol acoberta e reluz nas
coisas que passam e que ficam
(alguma coisa fica?).
Tudo traz um gosto de mar
tudo é uma estranha nostalgia de praia...

Penso que a esta hora um
antigo amor deve estar passando
a farda para ir ao quartel
e que um amigo deve estar sorrindo
aos primeiros clientes do banco
e só eu aqui lançando meu olhar
-que é tudo o que sou nesse momento-
através da vitrine em meio ao
movimento incessante da 7 de Setembro e
percebendo que as pessoas apartamentos e letreiros
nenhum deles é próprio da manhã.

Só o coração do poeta estranha a hora e
sabe que a sensação nada mais é
que uma ligeira saudade de
ser diferente de tudo que vê.
Uma pura vontade de voltar a
pertencer ao azul das manhãs como essa.