quarta-feira, 25 de março de 2009

No Tormento das Coisas


Noite de sexta de chuva:
janelas acesas
salas claras
alguma nostalgia ao
supor famílias e suas
novelas.

Faróis vermelhos sobre
o reflexo ondulante do
asfalto molhado
fogueiras entre caçambas de lixo
num canto de
muro esquecido...

Em cada pingo da chuva
que cria ranhuras contra
qualquer luz
eu sinto que ter corpo é
ter dor
eu enxergo que
ter espírito
(mais espírito que meus irmãos)
é ter olhos que moram no
tormento das coisas.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Final da Semana


A Praça Tiradentes ainda
pulsa alguma vida
(pois ainda é cedo)
antes de pertencer as
putas e travestis do
Hotel Paris.

A essência da noite das
ruas do Estácio se
impregna nas janelas
se assenta no
desgastado do casario antigo.

Sinto falta de uma
noite em que
embriagado na Lapa
eu tenha motivos pra rir
e ache ter também
algumas velhas mágoas
pra chorar.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Dia Feriado


1 - escrever um poema
2 -olhar a chuva
3 -esperar a nuvem se desfazer
4 -sentir saudades
5 -só ouvir música
6 -cochilar
7 -sentir saudades
8 -ver um filme
9 - ler um livro
10 - sentir saudades

segunda-feira, 16 de março de 2009

Gestos de Uma Composição


Toalha enrolada na cabeça
touca que enlaça a cabeleira
e te deixa o rosto sem moldura.

Mas numa só puxada
desabraça a toalha os seus cabelos
e eles chovem molhados
na lisura da sua nuca
no volume dos seus ombros.

quarta-feira, 11 de março de 2009

A Metamorfose


A culpa pelo assassinato
de uma barata
vibra em meus recônditos.
Cada vassourada
nenhum pensamento
apenas vontade irracional
de reduzi-la a gosma inerte.
Quantas mortes em minhas mãos!
quantos mosquitos e lacraias...

Era uma barata
que só
respirava
comia
trepava

Se por nojo e medo mereceu
o trespassamento pelas piaçavas
que mereço eu então
este inseticida
que só
respira
come
trepa?

domingo, 8 de março de 2009

Canções do Mar


I

As ondas incansáveis
quebrando e quebrando
ferozes
o barulho do mar...

O barulho do mar
é uma outra espécie de silêncio.


II

O mar
o mar noturno
batendo e batendo
inescrutável abismo gelado
uma coisa só com o céu escuro
uma coisa só...

A morte
imensa e espessa
a morte
deve ser como esse mar anoitecido

sábado, 7 de março de 2009

Na Pedra


Casinhas medievais na
beira do mangue
o cheiro de maresia
respirado por cada poro
e pela primeira vez
o pastel de siri.

Nosso caminho:
o cais de meninos pescadores
nas ruazinhas desertas
igrejinha e os
balanços de pneu sob
as árvores sob a sombra
sobre o chão folhado.

Barcos adormecidos na areia
me convidam a dormir
dentro da brisa e da calma
do sorriso dela que
convida a beleza do mundo.

Tudo é de nós dois
nesse lugar onde
todos os dias
parecem tardes de domingo.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Relicàrio


Tudo que sei de mais bonito
vem da solidão
vem do silêncio.
Percebi o porque do gosto
pelas fotografias antigas
de reler velhas cartas:
são ainda pessoas ali
inertes e caladas
preenchendo com o que já não mais é.

Foi o que amei e que se deixou aqui...

Descobri nas imagens e palavras do passado
que a verdade íntima do mundo
se contempla no tempo das saudades.