domingo, 31 de agosto de 2008

Saudação à Chegada do Inverno


O Inverno resolveu mostrar suas garras.
Amanheceu um dia frio de vento,
deserto das pessoas e ausente das folhas nos galhos.
São em dias assim que mando a minha vida
que me apresente algo mais vil
que o arrebatamento da paixão.
Duvido que haja em meu peito
algo pior para se amaldiçoar!

Desenvolvi esse mal incurável desde bem moço.
Da flor dos meus anos quase nada ficou,
passaram irrecuperáveis e melancólicos,
vagando entre os hermetismos de um livro ou outro.
Só tenho agora uma história de prantos,
essa transparente coleção de prantos:
já chorei músicas,
já chorei poemas,
já chorei telefonemas...

Prantos me compõem, dores me dispõem!

Uma vida sem um grande amor pode ser chamada vida?
Dirão que sim todos esses tolos insensíveis!
Mas a verdade é que voltar p’ra casa no costume da solidão
é o maior de todos os males...
E é por isso que gosto da beleza melancólica desses dias plúmbeos:
eles tem tanto em comum comigo,
que acho que as forças da criação cometeram um ledo engano:
eu não deveria ter nascido homem de carne e osso...
eu deveria mesmo era ter amanhecido manhã de Inverno!

sábado, 30 de agosto de 2008

Banzo Como Herança


Deixarei para meu filho,
se um dia o tiver,
esses olhos tristes como herança,
esse sem jeito ao sorrir,
e esse coração carente de atenção.
Deixarei as folhas amassadas
com esses poemas desprezíveis,
e os livros de história da arte, de filosofia,
Shakespeare e Garcia Márquez...
(mas espero que não os leia se quiser a vida mais leve...)
e deixarei essas coleções de objetos sem valor,
essas coisas de um homem melancólico.
Deixarei para meu filho,
se um dia o tiver,
esses amores efêmeros, essa boca calada,
e o amor masoquista pela beleza do mundo.
Deixarei entalhado na madeira do seu berço
a memória desses dias despetalados,
o romantismo descrente, e a inconstância da auto-estima.
Deixarei tudo isso que é meu
sob a luz clara do quarto azul ou rosa,
p’ra que ele possa a tudo ver,
e escolher não ser nunca em sua essência,
a imagem e semelhança do pai!

Safo Descoberta


Não sei se entristeço ou acho graça
por conhecer o motivo do seu “não”.
Porque não pude conter a surpresa ao descobrir
que nosso gosto é gêmeo,
que o meu objeto de desejo,
no fim das contas,
é o mesmo seu.
E hoje, sob a luz dessa descoberta,
eu já consigo perceber os seus sinais...

Ontem à noite, vendo as fotos dela outra,
me surpreendi ao conhecer alguém tão mais linda
(até muito mais que você),
que até pude compreender a sua escolha:
ela é tão mais linda,
que mesmo se eu tivesse o sexo igual ao seu,
eu acho que também iria preferir tê-la mais do que a mim.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Até Você Se Pôr


Você descia a rua com aquele seu vestido leve,
gracioso,
ondulando na mesma brisa em que flanava seu perfume indestrutível,
caminhando sobre o sol dos paralelepípedos,
como se fosse um sol de outra natureza,
resoluta, sem olhar p’ra trás,
p’ra fazer pouco,
p’ra não notar,
meus dois olhos magros no portão.
Esqueci do tempo no vidrar dos seus cabelos,
alisando os ombros,
avançando sobre a linha da coluna,
num balançar que ora escondia, ora mostrava,
a palidez plástica das suas costas nuas.
Tranco o portão domando o impulso irresistível de trazê-la de volta aqui,
porque é hora de enfrentar o tédio do dia,
ébrio o tempo inteiro de tanto queimar o filme do meu pensamento,
repetindo infinitamente a cena de ver você se pôr no horizonte de paralelepípedos.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

As Cores


Lembro-me dos seus despidos rosas-chá:
os seus lábios unidos,
os seus mamilos pequenos,
a fenda estreita do seu sexo...
brilhantes úmidos inteiros pra mim.
Rosáceas marcas nessa sua fosca pele cor de creme,
cor de gelo,
sua pele que pelo tom nem parece pele,
parece o movimento humano de uma pintura a pastel.
Via que seus rosas eram pálidos,
fugazes pinceladas cor de carne,
esforçando-se para se destacarem para além desse corpo cor de areia de duna,
essa lisura onde tudo o que é escuro toca,
tudo que o que é escuro envolve,
e cai em um contraste absoluto...
é assim com seus próprios cabelos e olhos,
com a cor do tecido do seu lingerie,
com a existência do meu corpo por perto...
é assim com a onipresença inevitável da noite,
o manto negro das nossas horas.
Um contraste absoluto...

Lembro-me de olhar profundamente cada poro no seu rosto,
como se não houvesse mais nada que pudesse ser visto,
como se a paisagem inteira se resumisse a você.
No nosso abraço parecia-me que a vida se tornava lembrança vaga,
um devaneio infantil,
um desejo insondável,
naqueles dias que só ganhavam pleno sentido quando você chegava,
e todas as coisas, então,
adquiriam o seu rosa, o seu preto, o seu creme...
O momento te trazia tão mais bonita que tudo,
que o mundo pintava o rosto com as suas cores,
e tudo nele se enchia de uma esperança
de tentar se parecer um pouco mais com você.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Breve Tese Sobre o Encantamento Após as Palavras de Larissa


Acho que meu maior talento é essa patética facilidade de ser encantado, o que quase sempre leva minha boca a aguar a saudade de qualquer beijo, o que, quase todas as vezes, me traz o apego, e o apago, a qualquer caso de fim de semana. Nos tempos ausentes de amor, faço dos dias uma busca incessante, quase uma missão que não descansa mesmo quando satisfeita, e que me diz que não sou apaixonado pelo outro em si, eu sou apaixonado, na verdade, é pela própria paixão. É uma espécie incomum de necessidade, uma dependência, como se eu só pudesse sentir meu corpo vivo se eletrificado pelas correntes nervosas da vontade, como se eu fosse um míope que só pudesse enxergar o mundo através da lente de angústia do encantamento. A distância do objeto de desejo, todo esse espaço não presumível, todas essas horas que convergem para o inevitável encontro ou desencontro, me transbordam de uma sensibilidade estranha, onde até a iminência do cheiro do mar me provoca ansiedades, onde até as músicas de amor de gosto duvidoso parecem me falar.
Mas isso tudo não passa de mania de poeta, que a tudo enfeita, a tudo ressignifica e dá profundidade... se perguntarem a alguém mais sóbrio, com certeza ele dirá que é apenas carência mesmo...

sábado, 16 de agosto de 2008

Simulacro


Quantos anos ela terá?
Metade dos meus talvez...
Ela me olha a toda hora,
ela me olha quase sempre,
ela sabe que eu olho p’ra ela também.
Ela é menina ainda e mal pode imaginar,
que minha incapacidade de desviar dela,
é porque vejo nela de forma quase incorruptível,
o tênue rosto da Louise em traçados infantis

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Simplice


Foi ao lado dela que eu descobri
que o amor não é absurdos,
não é entupir a casa dela de rosas,
não é mandar um avião escrever
o nome dela com fumaça no céu...

Foi ela que me mostrou que o amor
também habita, e sobretudo habita,
as coisas mais simples...
Ao lado dela eu descobri que amor
também é levar os filhos dela ao dentista,
também é varrer as folhas secas do quintal,
enquanto na cozinha ela prepara o nosso macarrão.

sábado, 9 de agosto de 2008

Canis Elegia



Sempre me achei de uma frieza estranha por nunca ter chorado em ocasiões de luto. Quando soube da morte do meu avô, da minha avó, me enchi de pesar, mas não consegui derrubar uma lágrima sequer. Sempre me cerquei de muita filosofia, sempre tomei essa ciência que, como dizia Montaigne serve “para aprender a morrer”, como uma verdade absoluta, achava que talvez essa minha circunspeção adviesse desse entendimento maior sobre os mecanismos da vida. Mas hoje minha cachorrinha, a Nala, morreu... e eu chorei feito criança. Um choro secreto, um choro de quarto trancado. Foi aí que eu descobri porque com ela foi diferente: dela eu não soube apenas, eu estava lá com ela no momento da injeção letal. Eu a levei de casa pela manhã sem saber que ela não voltava, e eu a enterrei, ela que amei, eu a enterrei reduzida apenas a uma massa de carne peluda e morta. E se agora choro não é porque me lembro dela, como não chorei por apenas lembrar dos meus avós... eu choro porque ela deixou um último olhar em mim, como se suas íris castanhas reverberassem nas profundezas do meu íntimo: “Luis, eu me vou, mas não posso te deixar sair ileso dessa!”.
Só que ela não devia ter feito isso... é tão pesado carregar os olhos dela...
Em alguns momentos, por alguns lapsos de memória, ou por costume, ou por afetividade, eu acho que vou encontrá-la ali, acima dos degraus, com a cabeça acima do cercado, com as orelhas murchas e abaixadas pela felicidade de me ver... só que o que encontro é um terraço vazio, onde até as fezes que ainda restaram dela me estilhaçam um pouco mais.
O resto de comida do meu prato agora vai p’ro lixo, enquanto reflito que a ausência do barulho das suas patas é o indício que ela não mais existe. Eu ouço fogos de artifício, mas não ouço os latidos de resposta, e nesse momento eu sei que o silêncio dela agora é o silêncio em mim, é o silêncio do meu quarto, é o silêncio da casa toda.

Rio de Janeiro, 09 de Agosto de 2008

sábado, 2 de agosto de 2008

Ninfeta(mina)


Por ser tão antigo já aos vinte e seis,
me assola essa veemente culpa
de te enxergar nesse desejo morno:
você assim, com apenas metade,
ou um pouco mais,
do meu desvanecimento aqui no mundo.
Guardo o olhar escondido,
mas caído sobre o jogar dos seus cabelos,
única coisa sua que se pode afirmar ser já de mulher.
Mantenho os olhos atocaiados em minhas pálpebras,
inertes no seu corpo ainda magro,
e que segue emparelhado com ônibus preso ao engarrafamento.
Seu caminhar lento,
os traços irrepreensíveis da sua maquiagem,
os seus trejeitos de pretensiosa mulher feita,
só denunciam a altivez de quem sabe,
que ainda crescente,
já consegue ser refúgio do desejo dos tolos.